quarta-feira, 2 de junho de 2010

O menino do Dedo verde (Maurice Druon - 20a. Ed - pág 75-78)


Seus olhos estavam pregados no teto. Tistu sentou-se perto da cama, com o chapéu branco sobre os joelhos.
— O Dr. Milmales me disse que as suas pernas não andavam. Será que já melhorou no hospital?
— Não — respondeu a menina, sempre muito polida; — mas isso não tem importância.
— Por quê? — perguntou Tistu.
— Porque não tenho lugar nenhum para ir.
— Pois eu tenho um jardim — disse Tistu, para dizer qualquer coisa.
— Você tem muita sorte. Se eu tivesse um jardim, talvez sentisse vontade de sarar para passear entre as flores.
Tistu logo olhou para o seu polegar, pensando: "Se o problema é esse..." Mas perguntou ainda:
— Você não se aborrece muito nessa cama?
— Não muito. Fico olhando o teto. Conto os buraquinhos.
"Flores seria muito melhor" — pensou Tistu. E se pôs a chamar interiormente: "Papoulas, papoulas!... Botões-de-ouro, margaridas, junquilhos!"
As sementes entraram pelas janelas, a não ser que Tistu as tenha trazido nos sapatos.
— Mas, em todo caso, você não se sente infeliz?
— Para a gente saber se é infeliz, é preciso primeiro ter sido feliz. Eu já nasci doente.
Tistu compreendeu que a tristeza do hospital estava escondida nesse quarto, na cabeça da menina. Ele também estava ficando muito triste.
— Você recebe visitas?
— Muitas. De manhã, antes do almoço, a Irmã Termômetro. Depois vem o Dr. Milmales; ele é muito bonzinho, conversa comigo e me faz um agrado. À hora do almoço, chega a Irmã Pílula. Depois, com a merenda, entra a Irmã Injeção Que Dói. E, por fim, vem um moço de branco, que acha que as minhas pernas estão melhor. Amarra uma cordinha em cada uma para que elas possam mover-se. Todos eles dizem que eu vou sarar. Mas eu prefiro ficar olhando o teto, que não me prega mentiras.
Enquanto ela falava, Tistu se tinha levantado e entrara rapidamente em ação em torno da cama.
"Para esta menina sarar, pensava ele, é preciso que ela deseje ver o dia seguinte. Uma flor, com sua maneira de abrir-se, de improvisar surpresas, poderia talvez ajudá-la... Uma flor que cresce é uma verdadeira adivinhação, que recomeça cada manhã. Um dia ela entreabre um botão, num outro desfralda uma folha mais verde que uma rã, num outro desenrola uma pétala... Talvez esta menina esqueça a doença, esperando cada dia uma surpresa..."
O polegar de Tistu não tinha descanso.
— Pois eu acho que você vai sarar — disse ele.
— Você também acha?
— Acho sim. Tenho certeza. Até logo!
— Até logo! — respondeu polidamente a menina doente. — Você tem a sorte de ter um jardim...
O Dr. Milmales esperava Tistu atrás de sua grande mesa niquelada, repleta de livros.
— Então, Tistu — perguntou ele— que foi que você aprendeu?
Que sabe de medicina?
— Aprendi — respondeu Tistu — que a medicina não pode quase nada contra um coração muito triste. Aprendi que para a gente sarar é preciso ter vontade de viver. Doutor, será que não existem pílulas de esperança?
O Dr. Milmales ficou espantado com tanta sabedoria num garoto tão pequeno.
— Você aprendeu sozinho a primeira coisa que um médico deve saber.
— E qual é a segunda, Doutor?
— É que para cuidar direito dos homens é preciso amá-los bastante.
Ele deu um punhado de caramelos a Tistu e pôs uma boa nota em seu caderno.
Mas o Dr. Milmales ficou ainda mais espantado no dia seguinte, quando entrou no quarto da menina. Ela sorria: tinha despertado em pleno campo.
Narcisos brotavam em torno à mesa de cabeceira, os cobertores eram um edredom de pervincas, a grama crescia no tapete. E finalmente a flor, a flor em que Tistu se desvelara, uma esplêndida rosa, que não parava de se transformar, de abrir uma folha ou um botão, e que subia pela cabeceira da cama, ao longo do travesseiro. A menina já não olhava o teto; ela contemplava a flor.
De noite suas pernas começaram a mover-se. A vida era boa.

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